Desmentindo o mito das divisões do peitoral no treino com pesos


Esqueça tudo o que você sabe sobre divisão do treino de peitoral e aprenda o que é realmente verdade sobre as porções do peito e o treino de musculação.

“Salve, aluno. Hoje é dia de treinar peito. Vou te passar o supino inclinado pra você trabalhar a parte superior do peitoral, o supino reto pra você trabalhar a parte medial e o declinado pra você intensificar o trabalho na parte inferior do peito. Pra fechar, você vai fazer o peck deck pra trabalhar o miolo do peitoral. Dessa forma, trabalhamos todas as porções do seu peito.”

Quantas e quantas vezes essa frase foi pronunciada em uma academia de musculação. O aluno, atento, escuta e fica satisfeito, afinal, seu professor, a quem ele confiou a árdua tarefa de montar seu treino, acaba de lhe dar uma explicação plausível, interessante e totalmente eficaz a respeito de um dos músculos mais treinados em uma academia. E o conceito de isolar o peitoral está correto, com as angulações, certo?

ERRADO!

Seria, realmente, algo muito produtivo se pudéssemos dividir o trabalho realizado pelo peitoral em 3 ou 4 porções, como o professor acima explicou: parte superior, medial, inferior e o tal do “miolo”. Um professor um pouco mais técnico poderia usar outro palavreado, como clavicular para a parte superior e esternal para o “miolo”, afinal quem tem miolo é pão. Mas, na prática, usar os termos corretos não ajudaria muito. Uma boa base de Cinesiologia, no entanto, sim, colocaria essa teoria sem sentido no lixo e desmistificaria algo que ninguém se atreve a comentar no mundo da maromba: NÃO CONSEGUIMOS TREINAR O PEITO SEPARADAMENTE, EM SUAS PORÇÕES.

É isso mesmo que você acabou de ler: supino inclinado não isola o treinamento na parte clavicular (superior), o supino declinado ou mergulho nas paralelas não isola o treinamento na parte abdominal (inferior) e o peck deck não isola o treinamento na parte esternocostal (vulgarmente chamada de miolo). E tudo isso pode ser mostrado de uma forma simples e muito interessante, como veremos a seguir.

Antes de mais nada é necessário entendermos o que são músculos, inserções, origens, ações musculares e outros termos inerentes a Cinesiologia e sua incidência nas questões relativas ao conhecimento de causa e efeito nos movimentos humanos. A Cinesiologia é uma área de estudo que tem como objetivo compreender os fundamentos do movimento humano, analisando, criteriosamente, suas estruturas anatômicas, em especial, os ossos e músculos. O termo tem origem no grego e significa “estudo do movimento”.

Dito isso, fica fácil entender que o conhecimento dessa matéria por parte dos professores que ficam na academia de musculação é essencial e pode ser a diferença entre o sucesso e o fracasso no treinamento individual. Também será fácil entender, no final do artigo, que um professor que disserta as palavras do início do texto não merece o título de professor, já que os primeiros estudos sobre o movimento humano não são recentes e os primeiros registros sobre o assunto datam de 384-322 A.C. nas obras De partibus animalium (partes dos animais); De motu animalium (o movimento dos animais) e De incessu animalium (progressão dos animais), de Aristóteles, onde ele descreve a importância de conhecer a ação dos músculos. Ou seja: está aí há muito tempo e já deveria ser algo conhecido.

Vamos entender, então, definitivamente, alguns pontos necessários para colocar um ponto final em uma das maiores falácias do mundo da musculação: o mito de se treinar as porções do peito separadamente, apenas alterando a angulação de um acessório (um banco). Depois de ler o artigo por completo, você será capaz de montar seu treino de peitoral maior de forma eficiente e com base cinesiológica.

O peitoral maior tem sua origem na borda ante­rior da clavícula, esterno e cartilagens das seis primei­ras costelas. Vamos convencionar que a origem (um tendão, na verdade) é a extremidade do músculo presa à peça óssea que não se desloca, sendo a parte fixa e não passível de movimento. Sua inserção, a outra extremidade, acontece na borda externa da goteira bicipital (seu tendão é plano) do úmero. A inserção (também um tendão) é a extremidade presa à peça óssea que se desloca, móvel.


Temos, então, o conjunto de estruturas que ligam o músculo peitoral maior aos ossos, os tendões, através de sua origem e sua inserção. Ora, se a origem é a parte fixa e a inserção é a parte móvel, essa última é responsável pelos movimentos de encurtamento e alongamento, ou ainda, da execução das fases concêntrica e excêntrica. Como a inserção está localizada na goteira bicipital do úmero, é ele, o úmero, o responsável pela ação muscular do peitoral. No linguajar da maioria dos professores seria: “você mexe seu peitoral quando mexe o seu braço”. 


Mas entendamos que a inserção está em apenas uma estrutura, convergindo para um único ponto. Se está em apenas um ponto, mudar a angulação do banco não influenciará em nada no movimento do peitoral maior. Para que isso aconteça, devemos imaginar, hipoteticamente, que existam 2 inserções em pontos distintos e não poderiam estar sequer na mesma peça óssea, o úmero. Para provocar movimentos distintos e isolados, cada inserção deveria estar localizada em um osso diferente (imaginando um ser com peitoral maior com morfologia mutante, ou pelo menos, diferente da nossa).

Mas, então, nada muda com a variação de angulação do banco no treino de peito?”. Não foi isso que eu escrevi. Não disse que nada muda. DISSE QUE NÃO ISOLAMOS! Mas vamos entender o que realmente muda.

Quanto à ação muscular do músculo principal, o peitoral, a angulação muda sua ativação muscular por conta da ação maior ou menor dos músculos sinergistas (participação dos músculos auxiliares do movimento), que irão atuar de forma diferente, de acordo com a inclinação. Isso não significa, como já vimos, que a angulação isole uma parte determinada do peitoral maior, ainda que seu livro de Guia dos Movimentos de Musculação tenha até feito um adendo da parte mais solicitada dos músculos peitorais de outra cor, destacada. Isso é besteira!

Outro equívoco é sobre a distância das mãos na barra e sobre o trajeto (descida da mesma). Se você entendeu como a ação muscular se dá, perceberá que descer a barra sobre a borda condrocostal (inferior) não solicita apenas a parte abdominal dos peitorais; descer a barra sobre o centro dos peitorais não solicita apenas a parte esternocostal e descer a barra sobre a incisura supra-esternal não solicita apenas a parte clavicular do músculo (superior). Além disso, mãos aproximadas não solicitam apenas a parte central dos peitorais assim como mãos mais afastadas não solicitam apenas a parte externa ou lateral dos peitorais. São mitos criados na academia de musculação em um passado longínquo que perduram até hoje.

Mas voltando, por exemplo, no supino inclinado, o deltoide anterior participa em maior parcela, no movimento, se comparado com o supino declinado. O mesmo ocorre, porém da maneira inversa, com o músculo tríceps, que atua mais no movimento declinado que no inclinado.

E no caso do peck deck, crucifixos e flexão-adução horizontal dos ombros em pé (vulgarmente chamado de cross over)? Há quase que um isolamento da ação do músculo peitoral, sem a participação dos tríceps ou deltoides, ainda que não haja isolamento da porção esternocostal. O que ocorre, nesse caso, é a participação do peitoral menor, localizado profundamente sob o peitoral maior, que atua como estabilizador da escápula além de projetá-la para frente.

Você já deve ter visto pessoas com a parte clavicular do peitoral mais desenvolvida ou mesmo algumas pessoas com a parte esternocostal deficiente (parece que tomou um tiro de calibre 12 no meio do peito). Isso é genético, morfológico e não há treino que mude essa situação. Não foi o supino inclinado que proporcionou isso ao camarada com o peitoral avantajado na parte superior e nem adianta fazer peck deck até a exaustão pra suprir a deficiência do segundo caso. Se fosse assim, não teríamos deficiências individuais e bastaria usar um exercício específico e pronto! Tudo resolvido!

Então, qual seria um treino sensato de peitoral, já que não consigo isolar as áreas antes mencionadas e trabalho o músculo peitoral por completo em qualquer situação? Minha sugestão é alternar o treino com flexões de braços (como supinos, fly, repulsões nas paralelas) e movimentos de flexão-adução dos ombros (como peck deck, crucifixos, cross over, etc). Como por exemplo:

1) Supino com barra
2) Crucifixo
3) Fly
4) Peck deck

Para um trabalho mais acentuado do peitoral e menos dos tríceps, como nos exercícios feitos nas paralelas, evite bloquear as articulações, ou seja, não estenda totalmente os cotovelos, pois uma parte da força estará destinada aos tríceps de forma mais acentuada. O mesmo conselho vale para os supinos, com halteres ou barras. Bloquear os cotovelos é muito eficiente se você estiver engajado em um treinamento de força, como um campeonato de supino como alvo, ou alguma prova específica de strongman.

Além disso, no mesmo treino , varie o estímulo proporcionado ao peitoral, alternando estímulos tensionais (mais carga e menos repetições) com estímulos metabólicos (menos carga e mais repetições). Dessa forma, você atinge todos os tipos de fibras que compõem o músculo peitoral e maximiza seu desenvolvimento. O exemplo acima ficaria nesse modelo:

1) Supino com barra: 4×4~6
2) Crucifixo: 4×12~15 (drop set)
3) Fly: 4×8~10
4) Peck deck: 4×15~20

Você pode estar se perguntando porque tantas pessoas estão equivocadas em relação a esse assunto. Não sei lhe dizer o porquê, mas posso especular os dois lados da moeda. Primeiro, o professor não estudou de forma adequada, concisa, profunda. Sempre ouviu que podemos isolar as partes do peitoral mudando-se a angulação e aceitou isso como verdade absoluta, sem pensar. E porque ele não pensou isso na faculdade?

A matéria Cinesiologia começa com umas palavras difíceis, como sagital, transversal, subclávio, cintura escapular, articulação radioulnar, etc, e é pouco, ou quase nada, atraente pro pessoal que está mais interessado no jogo do seu time do coração ou se há promoção de cerveja no barzinho em frente a faculdade. Infelizmente, é essa a realidade que vivemos hoje em dia: há muito o que se aprender e poucos interessados no aprendizado, formando-se professores rasos no quesito conhecimento. Lembrem-se que o conhecimento não faz acepção de pessoas: está lá, esperando ser alcançado, independente de raça, cor ou credo.

Segundo, o aluno ouve o que quer ouvir. O professor lhe apresenta algo que, aparentemente, faz sentido e fica satisfeito com a resposta, pois era exatamente isso que ele tinha em mente, antes mesmo de sair de casa pra ir treinar. O professor apenas consolidou algo que ele já havia visto na internet ou escutado falar em outras épocas, na academia.
Há ainda, a parte mais esdrúxula de todas: o consenso por parte de pseudo-especialistas que ferem alguns princípios mecânicos da Cinesiologia, ou seja, aqueles camaradas que estão falando o que a maioria quer ouvir e se promovendo através de bizarrices motoras incompatíveis com a realidade anatômica. Posso citar o caso a seguir, fazendo um paralelo com esse pessoal:

“Um grupo de pesquisadores se reuniu pra realizar um experimento. Havia doutores em diversas áreas, inclusive alguns com prêmio Nobel. Dentre eles, endócrinos que escreviam durateston com M, outro que receitava stanozolol subgengival de morango. Havia vloggers de musculação, meninos propaganda de folhetos de suplementos, celebridades de facebook, professores de musculação meia-boca e outros. O fato é que todos eles eram muito conhecidos, cada qual em sua área. Através de Metodologia Científica em Pesquisas, realizaram um experimento único:


Treinaram uma centopeia para andar 10 cm sempre que algum dos pesquisadores tocava um sino. E assim foi …. tocava-se o sino e a centopeia andava. Alguns insistiram que 15 cm era melhor, pois iria definir a centopeia. Outros, diziam que deveria andar apenas 6 cm pra não catabolizar. Mas o número 10 foi escolhido por ser um número fácil de gravar e porque todos sabiam contar até 10, com exceção do professor de musculação, que levou sua calculadora.

Com o passar dos dias, arrancou-se um par de patas do miriápode, como parte do experimento. Tocou-se o sino e ela ainda andou 10 cm. Mais alguns dias e arrancou-se outro par de patas. Tocava-se o sino e a centopeia andava seus 10 cm.

Os dias foram passando, arrancando-se sempre um par de patas e tocando-se o sino. Até que, enfim, em um determinado momento, o último par de patas da centopeia foi arrancado. Tocou-se o sino e a centopeia não andou. Tocou-se o sino mais uma vez e nada.

Diante desse fato, as personalidades se reuniram e concluíram, em unânime consenso, que a centopeia possuía ouvidos nas patas, explicando-se o porquê dela não andar quando o sino tocou pela última vez.”

Prática é a realização de uma teoria concreta. Toda a teoria deve ser feita para poder ser posta em prática, e toda a prática deve obedecer a uma teoria.
Isso não quer dizer que uma seja mais importante que a outra. Não quer dizer que não devamos estudar e ficar só na prática. Nem quer dizer que não devemos criar teorias e nunca comprová-las.

Quer dizer apenas que enquanto existir um mané, existirá um malandro pra provar que o que ele fala está certo.

Cuidado, a musculação está cheia de “pesquisadores” como os citados, prontos pra provar pra você que a centopeia tem ouvidos nas patas.

Stay Strong!

Betão

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