Pesos X Máquinas : A vingança de Arthur Jones


Quantas e quantas vezes você já ouviu algo assim : - “Prefiro treinar com pesos livres, nada de máquinas. Máquina é coisa de marica ! Marombeiro mesmo só utiliza pesos livres. Nada de polias ou roldanas pra mim.” E na maioria das vezes era um cara grande que proferia essas palavras, fazendo com que você concordasse no primeiro momento.

Pois é ... mas Lee Priest dizia que o fisiculturista deveria ter aparência e força de fisiculturista e não só aparência, fazendo referência ao uso de halteres e não de máquinas específicas para a atividade da musculação. É a velha questão de usar as máquinas contra usar pesos livres. Se observarmos uma máquina, como o pulley ou cross over, encontraremos acessórios que facilitam o movimento das cargas : são as famosas polias. Mas que diabos são polias ?


Polia ou roldana, consta de um disco que pode girar em torno de um eixo que passa por seu centro. Além disso, na periferia desse disco existe um sulco, denominado gola, no qual passa uma corda ou cabo de aço, contornando-o parcialmente.

As polias, quanto ao modo de operação, classificam-se em fixas e móveis. As polias fixas são muito usadas em aparelhos de musculação encontrados em academias. Nesses aparelhos as polias têm como principal função inverter o sentido da força. Por exemplo, num aparelho em que os pesos são encontrados embaixo e temos que fazer uma força na vertical (como o pulley, por exemplo), de cima para baixo a polia tem que estar posicionada exatamente em cima do aparelho. 

Já as polias móveis são utilizadas, sobretudo, para facilitar a elevação de algum objeto pesado, tornar mais fácil o esforço de tração ou assegurar uma transmissão de movimento. Este tipo de sistema de polias é capaz de levantar grandes cargas e é, normalmente, utilizado na ponta de um guindaste para aumentar a força do motor ao levantar uma carga.

E porque os marombeiros mais antigos falam tão mal da pobrezinha da polia ? Por que segundo a Física (não a Educação Física), as polias dividem a força a ser utilizada para gerar movimento. Isso significa, então, que quanto mais polias, mais carga você consegue levantar e consequentemente, quanto mais polias, mais você se afasta do peso real da carga que está levantando. 

Faça o teste : faça uma série de extensão de tríceps na polia superior do cross over e depois tente erguer o mesmo peso na polia superior do pulley. Sem chance, pimpolho. Você não conseguirá erguer o mesmo peso de jeito nenhum! E por que? Porque as polias dividiram a força. Isso se chama vantagem mecânica. Existe um cálculo para determinar essa divisão de forças mas não vem ao caso agora, pois não estamos em uma aula de Física do colegial. O importante é entender que quanto maior o número de polias mais peso você conseguirá erguer, desde que a colocação dessas polias esteja de acordo com algumas leis da Física.

Mas o que isso tudo tem a ver com a musculação ??? Tudo a ver, amigo. Se não fosse pelas polias, algumas máquinas nem existiriam. Mas não seria melhor, então, sem as máquinas e só peso livre ? Muitos queriam ler que sim ... mas a resposta mais sensata é um belo de um “Não !”

Você está mesmo convencido de que peso livre é melhor que máquinas ou está apenas se fazendo de papagaio e imitando o que já ouviu por aí? Porque você realmente acha que as polias são inferiores ao pesos livres? Porque os marombeiros dizem isso e você foi no embalo ou você realmente tem uma teoria pra isso? 

Bom, então, vou te contar um segredo, mas não espalhe por aí. Em alguns exercícios, as polias são superiores aos pesos livres, sim!


Polias e musculação
Agora que você já entendeu que as polias dividem a força e que são importantes em alguns aparelhos de musculação, falta saber por que elas podem ser superiores aos pesos livres em alguns exercícios, certo?. E o titio Betão vai fazer um pequeno suspense antes de te contar, pois, antes, precisaremos entender um pouquinho mais sobre Física.

-“Ah, não ! Eu achei que o blog do Betão um blog de musculação e não de Física!! Odeio Física, não me dou bem com fórmulas. Ia muito mal no colégio.”

Sossega, leão, e pára de chorar feito menininha. É importante entender alguns conceitos para entender a conclusão do artigo. Leia com calma, o texto é longo e um pouquinho técnico mas você não se arrependerá. Afinal de contas, os leitores do blog não são só um monte de corpos bonitinhos prontos para o verão.

Arthur Jones e o Sistema CAM
Para que os aparelhos de musculação que você conhece hoje (e até agora afirma que são inferiores aos pesos livres) fossem desenvolvidos e evoluíssem até o que vemos hoje em dia, precisou-se de uma série de estudos ergonômicos, de biomecânica, etc. Criou-se, então, um sistema que funcionasse perfeitamente para o corpo humano. 

O sistema foi chamado de sistema CAM (Convergent Arms Moment), e é um sistema relativamente simples que varia a resistência oferecida pelos equipamentos de musculação, de acordo com a capacidade de produção de força dos músculos envolvidos nos exercícios. Esse sistema foi desenvolvido na década de 70, nos Estados Unidos, por Arthur Jones, após ter observado que os músculos esqueléticos variam sua capacidade de produzir força dentro dos seus respectivos arcos articulares (ângulo da força aplicada no músculo). São as famosíssimas máquinas Nautilus, desenvolvidas pelo titio Jones e que marcaram uma época de ouro na musculação.


Em seus estudos dentro da Física do Sistema Muscular (músculos e ossos), Arthur Jones e sua equipe, primeiro precisaram definir exatamente, as curvas de potência de todos os grupos musculares, ou seja, precisaram definir onde (em que ângulo) cada músculo do esqueleto humano (relacionados ao movimento) aumentava e diminuía sua capacidade de produzir força dentro de seus respectivos arcos articulares. O segundo desafio envolvia basicamente a Física, onde, através de alavancas e polias, ele precisou calcular com precisão “como”, ele conseguiria variar corretamente a resistência oferecida aos músculos, para igualar o braço de momento da resistência (dos equipamentos) ao braço de momento de força (dos músculos).

Nos exercícios resistidos, temos, de um lado, os músculos e suas determinadas capacidades de resistência à tração, e de outro lado os equipamentos que são responsáveis por gerar a resistência a esses músculos. No ângulo em que o músculo tem uma maior capacidade de produzir força (suportar mais carga), também mencionamos que é onde esse músculo gerou um maior braço de momento de força. Desta forma os músculos estão relacionados com o termo braço de momento de força (maior ou menor, podendo vir a variar durante toda a amplitude articular, ou parte dela). 

Já os equipamentos podem gerar dois tipos de resistência, levando em conta a variação da mesma: resistência dinâmica constante, que não varia a resistência durante todo percurso de deslocamento, ou resistência dinâmica variada, que, como o próprio nome sugere, varia a resistência dependendo da capacidade dos músculos envolvidos no trabalho. No caso da resistência dos equipamentos o termo usado é, “braço de momento da resistência”. 

Quando a resistência gerada é menor, dizemos que o braço de momento da resistência naquele ângulo foi menor e quando a resistência foi maior dizemos que o braço de momento da resistência neste ângulo foi maior (meio óbvio, né?).
Neste sentido de análise, quando o sistema CAM iguala a curva de resistência (dos equipamentos) à curva de potência dos músculos envolvidos em cada exercício, na verdade está igualando, o braço de momento da resistência dos equipamentos ao braço de momento de força dos músculos.

Isso significa que onde os músculos têm uma maior capacidade de suportar cargas, o equipamento com o CAM, (através de polias, alavancas, ou ângulo dos cabos) aumenta a resistência, e obviamente onde os músculos têm uma menor capacidade de suportar cargas o equipamento diminui a resistência. Desta forma, o equipamento é que se adapta à mecânica humana. 


Com um correto sistema CAM, o equipamento não permite que os músculos trabalhem em limiares abaixo de sua real potencialidade, como ocorre com a resistência dinâmica constante. O sistema atua também diminuindo a chance de lesões musculares, uma vez que, onde os músculos têm uma menor capacidade de produção de força o equipamento diminui a resistência, fazendo assim com que os músculos não ultrapassem sua capacidade de suportar carga e desta forma venham a sofrer alguma lesão por sobrecarga. Isso costuma ocorrer quando a resistência utilizada é a dinâmica constante, uma vez que, como a resistência não varia de acordo com a capacidade de produção de força dos músculos, pode vir a ocorrer, que em determinados ângulos seja oferecida uma resistência maior onde os músculos não consigam suportar, facilitando desta forma a ocorrência de lesões musculares. 

E adivinha onde isso (lesões) pode ocorrer com mais freqüência ? Com pesos livres!!! Sim! Dificilmente você ouvirá alguém dizer “Meu antebraço está lesionado porque fiz pullover na máquina Nautilus”. Mas com certeza você já ouviu alguém reclamar que está com dores na lombar porque fez levantamento terra, agachamento livre ou até que se machucou fazendo rosca direta ou tríceps testa.

UM A ZERO PRA MÁQUINA !

Mas afinal, porque polias podem ser melhores que os pesos livres ??

Mas não é só no quesito “lesão” que as polias podem ser superiores ao exercícios com pesos livres. Com base na explanação do texto acima, vamos agora fazer uma análise simples em um exercício que todos nós conhecemos há tempos e tirar nossas próprias conclusões : a elevação lateral para ombros. Vamos analisar o exercício com halteres e depois na polia baixa.

Na elevação lateral com halteres, quando você vai iniciar o movimento, isto é, braços estendidos ao lado do corpo, dizemos que o movimento está na sua fase inicial, ou, fase de repouso. A força atuante é a da força da gravidade mas seus ombros não estão recebendo outras formas de força de resistência. Existe, então uma forma de força estática, sem movimento e, portanto, geradora de energia potencial. 

Á medida que você executa a abdução dos braços (afasta-os do seu corpo) a força atuante nos ombros aumenta, pois a angulação do braço em relação ao corpo também aumenta, gerando energia cinética. Assim que você retorna seus braços à posição inicial você volta só a sentir a força da gravidade sem variantes de sua atuação nos ombros, pois o ângulo entre o braço e o corpo diminui. 

Se perceber, estará fazendo um trabalho de isotensão nos ombros, trapézio, etc sempre que retornar à posição inicial. Será um farmer´s walk parado (Ou ... farmer´s walk but without walk ... ehehehe … isso existe ???).

Agora execute o mesmo exercício no cross over. Perceba que a força atuante da polia está acontecendo mesmo no início do movimento, quando você deveria estar “descansando”. Não há repouso na elevação lateral na polia baixa do cross over, pois o cabo de aço está tensionado desde o começo do movimento, exercendo a força nos ombros assim que você segura o estribo, diferentemente do halter, ou peso livre.
Reparou que aqui a polia dificultou o movimento ao invés de facilitar ?


Pois é : DOIS A ZERO PRA MÁQUINA !

Faça o teste também com elevação frontal e suas variações. Aliás, experimente fazer isso com alguns exercícios que você normalmente faria com pesos livres. A rosca no banco Scott é outro bom exemplo. No momento em que você aproxima o peso de sua cabeça e deixa o antebraço perpendicular ao solo (isto significa que o solo e o antebraço estão com ângulo de 90º), a força exercida no bíceps diminui consideravelmente. Em muitos casos, a pessoa aproxima tanto a barra do nariz que você nitidamente percebe os bíceps relaxarem. Mas se você colocar o banco Scott no cross over e realizar o movimento, perceberá que o cabo de aço estará fazendo força contrária ao movimento também nesse ponto. E em todos os outros também.

TRÊS A ZERO PRA MÁQUINA.

Eu poderia citar mais inúmeros exemplos mas você já percebeu onde quero chegar : as polias podem dificultar o movimento de forma superior aos pesos livres. Claro que eu não estou afirmando o que é melhor ou o que é pior. Não é pra você largar os pesos livres e começar a usar só máquinas. Não chegue na academia hoje, revoltadinho, dizendo – “O Betão escreveu que eu só devo usar máquinas que têm polias e que pesos livres não funcionam. Vocês me enganaram todos esses anos”. Não é nada disso. 

Meu conselho é que você varie a forma de treinar : ora com polias, ora com pesos livres, pois, diferentemente dos mais radicais, agora nós sabemos que os dois funcionam ! Óbvio que existem máquinas e exercícios que não servem pra absolutamente nada mas isso é assunto pra outro bate-papo.

Hoje, ao ouvir um maromba proferir as palavras “Não gosto de máquinas, peso livre é muito mais difícil” não o recrimine. Há muita paixão envolvida e, ás vezes, até fanatismo. Mas você agora sabe a verdade e aqui entramos mais uma vez na finalidade e principal objetivo do blog: informação direta, com qualidade, sem rodeios e, acima de tudo, comprometimento com a verdade, mesmo que isso signifique “bater de frente” com aquilo que é ensinado nas academias e por aí afora. 

Termino esse artigo com uma frase de um grande ex-atleta olímpico e renomada autoridade em biomecânica. Geralmente, não nos apegamos a esse tipo de credencial (pois na maioria das vezes, elas não servem pra nada mesmo) mas dessa vez, posso afirmar que o cara é fera, sim, e sua contribuição (mesmo que seja nos bastidores de uma grande empresa de aparelhos de musculação) foi, e continua sendo, essencial para que a gente consiga treinar de forma eficiente. 

Dedico esse artigo ao grande Arthur Jones que faleceu no dia 28 de agosto de 2007, depois de contribuir de forma primordial aos avanços na musculação, principalmente na área Mecânica. Com certeza, ele está lá no céu dos marombeiros criando alguma máquina que ajudará São Pedro a fazer chover de forma mais eficiente.

“Melhor que forçar o homem a se adaptar à máquina, devemos fazer com que a máquina se adapte ao homem”.


Stay strong !

Betão

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