E então eu cheguei na academia ...

Cheiro característico de um lugar onde a principal matéria-prima é o ferro. Ferro fundido, ferro oxidado, com banho de zinco ... ferro ...

Avistei o banco de supino. Era ali que a guerra iria começar. Onde seria travada a primeira batalha do dia. Barra no suporte. Barulho de ferro batendo em ferro. 

Sentado, não vejo meu inimigo. Está atrás de mim. Quieto. Formal. Ferro ...
Minha respiração fica ofegante. Sei que ele não veio pra perder. Muito pelo contrário: veio pra massacrar qualquer vestígio de prepotência, arrogância ou dignidade. Ferro ...


Você não ganha do ferro, só o conduz até onde ele deixa. Depois dessa linha limite, só há dor, frustração e miséria. Ferro ...

Então eu deito e avisto a barra no suporte. Imóvel, me chamando ... desafiadora, cruel, por hora intocada. Ferro ...

Quando minhas mãos finalmente a tocam, é um toque gélido, frio, cadavérico, sem alma. O desafio começa nesse momento, onde meninos desavisados depositam confiança demais em músculos despreparados e sucumbem diante do poder enigmático do ferro. Ferro ...

Mas eu, não. Eu já estive aqui. Ontem ... anteontem... e antes disso também. Minha relação de amor e ódio foi estabelecida há tempos. E foi minha escolha. Ferro ...

Tiro a barra do suporte e tenho a impressão que o mundo quer desabar sobre mim. Articulações suportam o peso mas é uma guerra injusta. A gravidade está contra o menino que queria ser homem. Ferro ...

A barra desce lentamente. Momentos de triunfo e derrota habitam meus pensamentos quando sinto um toque sutil no peito. É o ferro fazendo sua parte no jogo. Ferro ...

A primeira reação é empurrar, com todas as forças, o peso pra longe do coração. Sim. O ferro ouviu as batidas do meu coração. É ali que ele quer adentrar e me fazer acreditar que sou fraco. Ferro ...

Então, empurro. O tempo parece desacelerar. Não ouço mais a música, nem minha respiração. A carga é tanta que tenho a nítida sensação que meus movimentos, agora, são milimétricos. Ferro ...

Nessa hora, você não tem outra escolha ... a não ser empurrar o ferro com seu coração e alma quando o corpo quer falhar... e, dali debaixo da barra no banco de supino ... tocar o céu com a ponta dos dedos ...

Ferro ...


Betão

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